Na periferia de certa galáxia nos confins de um pequeno universo ao sul de um grande continente há um sistema solar onde habitaram incontáveis seres multiformes, entre os quais humanóides feitos de uma mistura de terra, água, fogo e espaço.
Os humanóides compartilhavam uma pequena ilha azul celeste com outros prodígios, como florestas de chuva, beija-flores, leopardos, cachalotes, abismos, nuvens, desertos, ondas magnéticas, raios, montanhas, pântanos e dragões, dentre outros incontáveis seres fugazes.
Após muitas extinções, abriu-se uma janela para os humanóides, e eles prosperaram e se multiplicaram. Curiosos e hábeis, inventaram apêndices que eram como asas, pés de pato, casulos e artérias. Sonhadores, edificavam transformações edificantes.
Imaginaram.
Frágeis minúsculos, cercaram-se de seguranças, guerreiros, minas terrestres, psicólogos, sonhos de grandeza e fortalezas. Carentes de garantias, planejaram, profetizaram, asseguraram-se, recontaram-se histórias, ambicionando o poder da vida.
Queriam ser felizes e afastar o desconforto. Geniosos e dotados de polegares opositores, aprenderam a voar, nadar e penetrar a terra. Em algum tempo, criaram ilhas dentro da ilha, barrigas dentro de vidros e sabores artificiais.
Um sussurro eletrizou-lhes a testa e eles pensaram: “Isso tudo é nosso”.
Esculpiram um trono com as florestas de chuva, os beija-flores, os leopardos, os cachalotes, os abismos, as nuvens, os desertos, as ondas magnéticas, raios, montanhas, pântanos e dragões – e nele sentaram-se, ornados por uma coroa de gemas preciosas.
Na mão direita, um gancho. Na mão esquerda, um espelho. Na altura da garganta, um tubo invisível alimentava-os com a seiva da vida. Suas costas repousavam em um eclipse solar.
Instalados no trono do mundo, congratularam-se: “Isso tudo é meu”.
Pareceu-lhes que o universo tinha um centro, que por algum tempo chamaram de “Eu”. E depois, de “Nós”. Passaram a celebrar grandes festas regadas com rios, onde enormes quantidades de ecossistemas eram desperdiçados por tradição.
Foi em uma dessas festas que o rei dos cavalos marinhos foi trazido untado de óleo e celebrado como o mais recente troféu. Dois dias depois, em uma feliz algazarra, a rainha das aves foi engaiolada e instada a cantarolar para o prazer dos humanóides.
Certa vez, após uma longa e bem sucedida caçada ao último ser de serenidade que habitava a ilha azul celeste, concluíram que um trono mais alto era mais adequado para eles. Passaram então a cobrar mais impostos e a conquistar mais reis disso e rainhas daquilo.
Afinal, sentaram-se mais alto que qualquer outra criatura de terra, água, fogo e espaço que passara por aquela pequena ilha azul celeste. Para celebrar o estrelato, resolveram engolir a lua e, depois, o sol.
Quando o sol foi finalmente engolido, os humanóides transformaram-se num buraco negro, que passou a drenar toda a energia da galáxia e, no ápice, implodiu sobre o próprio peso vazio, despedaçando-se em uma pequena gaveta que se fechou e foi esquecida.
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